Para brasileiros, ONGs estrangeiras são parte de complô para tomar a Amazônia
por Larry Rohter
Dependendo do ponto de vista, o apoio financeiro da organização não governamental World Wildlife Fund (WWF) a uma reserva natural aqui no Rio Negro pode se constituir em uma louvável tentativa de conservar a Floresta Amazônica ou em um complô maligno articulado por grupos ambientalistas estrangeiros no sentido de ganhar controle sobre a última grande floresta do Brasil e impôr o domínio internacional sobre ela.
Em 2003, após assinar um acordo com o World Wildlife Fund e com o Banco Mundial, o governo brasileiro criou o programa Áreas Protegidas da Amazônia. Desde então, vários parques e reservas nacionais abrangendo uma área maior do que os Estados de Nova York, Nova Jersey e Connecticut juntos foram incluídos nesta rede e receberam uma injeção de novas verbas.
“O objetivo do programa é estabelecer um sistema central para assegurar a proteção da biodiversidade da Amazônia”, disse Matthew Perl, coordenador do World Wildlife Fund para a Amazônia, durante uma visita feita em junho à área, um arquipélago esparsamente habitado, composto de 400 ilhas a noroeste de Manaus. “Isso faz parte de uma estratégia para ganhar tempo, fazer com que cada uma das áreas protegidas atinja um certo padrão de gerenciamento e agregar recursos para garantir o monitoramento e o cumprimento da lei”.
Mas essa iniciativa gerou suspeitas entre empresas poderosas e grupos políticos no Brasil que desejam integrar a Amazônia à economia do país por meio de barragens, projetos de mineração, estradas, portos, indústrias de extração de madeira e pólos de exportação de produtos agrícolas.
“Isso é uma nova forma de colonialismo, uma conspiração ostensiva na qual os interesses econômicos e financeiros agem por meio das organizações não governamentais”, acusa Lorenzo Carrasco, editor e co-autor do livro “Máfia Verde”, um libelo anti-ambientalista de grande circulação. “É evidente que esses interesses querem bloquear o desenvolvimento do Brasil e da região amazônica com a criação e o controle dessas reservas, que são repletas de minerais e de outros recursos naturais valiosos”.
Este tipo de percepção é bastante comum no Brasil, independentemente de fatores como região e classe social. Em uma pesquisa com 2.000 pessoas em 143 cidades, realizada em 2005 pelo Ibope, uma das principais organizações de pesquisa de opinião do país, 75% dos entrevistados afirmaram que as riquezas naturais do Brasil poderiam provocar uma invasão estrangeira, e quase três em cada cinco pessoas ouvidas disseram não confiar nas atividades dos grupos ambientalistas.
Vencer a batalha pela conquista da opinião pública brasileira é crucial para qualquer esforço global com o objetivo de preservar o meio-ambiente e, conseqüentemente, conter a alteração climática. O Brasil é o quarto maior produtor mundial de gases causadores do efeito estufa. Mais de três quartos dessas emissões são resultado do desmatamento, a maior parte do qual ocorre aqui na Amazônia.
Mas a idéia de que os estrangeiros cobiçam a Amazônia é há muito tempo generalizada no Brasil, alimentada em parte pela ansiedade com relação ao tênue controle exercido pelo governo federal sobre a região. Essas preocupações foram exacerbadas nos últimos anos pela Internet, que se tornou um foco de documentos forjados e de declarações cujo objetivo é convencer os brasileiros de que a sua soberania corre perigo.
O exemplo mais notório é um mapa amplamente reproduzido, e que seria supostamente utilizado nos livros de geografia das escolas de segundo grau dos Estados Unidos. Cheio daqueles erros de grafia e sintaxe comuns entre os falantes de línguas românicas como o português, o mapa mostra a Amazônia como sendo uma “reserva internacional” e descreve os brasileiros como “macacos” incapazes de tomar conta da floresta.
Outros documentos falsos afirmam que, durante a campanha presidencial de 2000, tanto o presidente George W. Bush como Al Gore fizeram discursos defendendo que a Amazônia fosse tomada do Brasil. Em certos trechos, os documentos citam um general norte-americano não identificado, que lideraria uma agência que, segundo o Pentágono, não existe. O general teria dito: “Caso o Brasil decida usar a Amazônia de uma forma que coloque em risco o meio-ambiente dos Estados Unidos, precisamos estar prontos para interromper tal processo imediatamente”.
Desde o início da Guerra do Iraque, acusações relativas a planos militares dos Estados Unidos para tomar a Amazônia são feitas com freqüência para denigrir os ambientalistas e as suas reclamações quanto às políticas do governo brasileiro. Em audiências no ano passado sobre a proposta de construção de uma represa no Rio Madeira, esses acusadores distribuíram um mapa mostrando aqueles que, segundo eles, seriam “locais de operações avançadas” dos Estados Unidos na região com o objetivo de impedir o desenvolvimento do Brasil, incluindo bases militares e assessores na Bolívia e na Venezuela, dois países que não são exatamente amigos do governo Bush.
Parte desse material que circula no país é obra de grupos nacionalistas de direita simpáticos à ditadura militar que governou o Brasil de 1964 a 1985. Em um caso pouco comum de concordância entre ex-adversários, organizações de extrema esquerda – até mesmo no governista Partido dos Trabalhadores – também endossaram a idéia de que existe um complô estrangeiro para tomar a Amazônia, da mesma forma que vários segmentos da ativa nas forças armadas.
“Tudo indica que os problemas ambientais e indígenas são meros pretextos”, afirma um recente relatório de inteligência brasileiro que foi disponibilizado ao “New York Times” por um brasileiro que recebeu uma cópia e que ficou preocupado com as idéias expressas no documento. “As principais organizações não governamentais são, na realidade, peças de um grande jogo no qual as potências hegemônicas estão engajadas para manter e ampliar o seu domínio. Certamente, elas servem de coberturas para aqueles serviços secretos”.
Segundo Perl, o coordenador do World Wildlife Fund, na realidade a sua organização espera apenas criar um barreira de contenção em volta desta reserva por meio da formação de um “Bloco de Conservação do Rio Negro” maior. Ele afirma que a idéia é proteger a reserva existente ao ajudar as reservas indígenas, os parques estaduais e as reservas naturais localizados às margens do rio a operar de forma mais efetiva.
Segundo Perl, até 2012 a sua organização e os seus parceiros esperam inserir uma área maior do que a Califórnia no sistema. Para isso foi criado um fundo administrado por uma fundação brasileira que pretende arrecadar US$ 390 milhões e incluir doações do governo da Alemanha e de outros países.
Em meados da década de 1990, parte da área em torno do arquipélago foi de fato declarada um parque estadual. Mas pouco se fez para que o decreto vigorasse, e desde então a agência de reforma agrária do governo federal assentou 700 famílias camponesas aqui, e marinheiros, fuzileiros navais e policiais brasileiros criaram centros de treinamento na selva na área protegida.
“Existem diversas reivindicações e planos, de forma que esta se tornou uma área de conflito”, afirma Thiago Mota Cardoso, que monitora o parque para o Instituto de Pesquisas Ecológicas, um dos parceiros regionais do World Wildlife Fund. “É uma ironia que esta terra pertença ao governo federal e, no entanto, o governo não faça nada”.
Fonte: The New York Times
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